A tributação do ágio nas limitadas – Estadão

Boa parte das operações de investimento em startups são feitas por meio de empréstimo conversível (convertible note), em vez de participação direta no capital. Mas quais são as consequências tributárias que isso pode implicar? Fique sabendo neste texto do StartDireito que acaba de sair no Estadão!

A tributação do ágio nas sociedades limitadas

02 Março 2015 | 17:36

Startups são empresas das quais se espera rápido crescimento no volume de negócios, e justamente por isso fazem uso intensivo de capital

A saga do empreendedor brasileiro é história conhecida do leitor, habitual ou esporádico, de um diário econômico – em especial se tratando de empreendedorismo tecnológico, que fez notabilizar o termo startup. Ainda mais agora, num momento de incertezas sobre os rumos da economia, e em que atividades inovadoras e novas iniciativas empresariais deveriam ser prestigiadas, as notícias não estimulam quem está entrando no mundo dos negócios.

Tema pouco abordado, o fomento aos investimentos em capital de risco costuma estar fora das discussões nos foros governamentais e privados, e notícias, quando há, são negativas. Recente acórdão da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), órgão administrativo máximo de decisão sobre temas tributários federais, decidiu que, nas sociedades limitadas, o ágio na subscrição de quotas não está isento de tributação, diferentemente do que ocorre nas sociedades anônimas.

O precedente parece colocar fim a uma discussão que se arrastava há anos, e que havia dado esperanças a contribuintes. Decisão da instância inferior no mesmo processo, proferida no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), conferia às limitadas os mesmos efeitos de neutralidade fiscal garantidos às companhias. A questão se torna relevante na medida em que a praxe de financiamento de startups, em sua esmagadora maioria constituídas como sociedades limitadas, adota o modelo conhecido como empréstimo ou mútuo conversível.

Startups são empresas das quais se espera rápido crescimento no volume de negócios, e justamente por isso fazem uso intensivo de capital. Com fundamento no valor futuro da empresa, investidores aceitam emprestar recursos numa startup em troca de futura participação minoritária no seu capital, a ser subscrita no vencimento do mútuo com o emprego da quantia respectiva, devidamente atualizada. No mais das vezes, existe grande desproporção entre os valores mutuados e a parcela do capital social de que o investidor se tornará titular.

Em termos mais técnicos, a contribuição do investidor destinada à formação do capital social é de uma fração do total do investimento realizado, e a diferença apurada deveria constituir reserva de capital, fundamentada na rentabilidade futura da startup. E é justamente essa diferença, o ágio na subscrição das quotas, que se verá tributada, caso a empresa em questão adote a forma societária de limitada. Apenas para esclarecimento, essa modalidade de ágio não é aquela mais-valia verificada em aquisições do controle de empresas, que sob certas condições pode ser aproveitada como despesa dedutível para fins fiscais.

Incertezas sobre o ambiente jurídico foram determinantes para a adoção do modelo de empréstimo conversível entre nós. Em outros países, tal financiamento é especialmente usado para agilizar a capitalização da startup e diferir a precificação do investimento para uma futura rodada de financiamento. Entre outros motivos, no Brasil o risco (trabalhista, previdenciário, consumerista e tributário) associado ao fato de constar do quadro societário é que justifica o fato de um investidor não ingressar numa empresa desde o momento em que aporta recursos. É um mecanismo, portanto, de proteção ao patrimônio pessoal do investidor, num ambiente tão avesso ao empreendedorismo e seus incentivadores.

Agora é possível somar mais um risco às startups que se financiaram com o empréstimo conversível: a possível contingência decorrente de autuação pelo Fisco com relação ao ágio na subscrição de quotas, apurado segundo a diferença entre os valores contribuídos por investidores e os valores que efetivamente ingressaram contabilmente como capital social. Restará a essas empresas uma solução bastante onerosa e já conhecida: condicionar a conversão do empréstimo em participação societária à transformação da limitada em sociedade anônima, com todos os custos associados à manutenção dessa espécie societária.

É certo que a neutralidade do ágio na subscrição de participações societárias em favor das sociedades constituídas sob a forma de companhia obedeceu a razões de política fiscal. A regra em questão é contemporânea da nossa lei de sociedades anônimas e da lei de criação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que tiveram por finalidade fomentar o mercado de capitais como mecanismo de captação e formação da poupança privada.

A comprovação de que tema está no âmbito de medidas extrafiscais é o próprio fato de a decisão aqui referida somente ter sido favorável ao Fisco porque, no julgamento, o representante da União fez uso do voto de qualidade. Não seria o caso de repensar a interpretação dada a tais regras tributárias, para que aumente, em vez de diminuir, o investimento de capital em atividades produtivas, estimulando empresas que geram riqueza, valor e renda?

(*) Flavio Augusto Picchi, bacharel e mestre em direito internacional pela USP, é advogado especializado na assessoria jurídica a startups.

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Porque o investimento em startups vai subir em 2013

Eu não sou a Mãe Dinah, e talvez justamente por isso eu possa tentar fazer previsões que não dependam de pura mágica, mas da análise de alguns fatos. Minha opinião é de que em 2013 vai ter muito mais dinheiro disponível para investimentos em startups. Vamos analisar as bases dessa afirmação.

1. Bancos de investimento em baixa. Ano passado foi um ano difícil para os bancos de investimento. As operações de equity (participações societárias) secaram devido à atividade baixa: quase não houve IPOs e as movimentações de fusões e aquisições se deram mais no ambiente privado, fora de bolsa, por desinvestimentos de fundos (FIPs e FMIEE). Nisso, a receita por fees desses bancos diminuiu bastante. No mercado de debt (dívida), a concorrência foi gigantesca, com várias operações de captação, mas os fees dos bancos foi jogado na bacia das almas: os exemplos da Eletrobras, Taesa, Cemig e Oi (todos em 2012) falam por si: os bancos chegaram a cobrar singelos R$ 0,01 para realizar emissão de debêntures.  Emissões de dívida (que estão mais baratas: queda dos juros, como alerto mais abaixo) quebraram o mercado de emissão de ações, e mesmo operações de aquisições de empresas não foram financiados via equity. Os dados da Anbima (associação que reúne os bancos de investimento) confirmam esse ambiente, conforme notícia do Valor Econômico de 16.01.2013:

o ano passado foi muito restritivo para a renda variável, com apenas três ofertas iniciais de ações e dez subsequentes. O volume captado, de R$ 14,3 bilhões, foi o menor desde 2005 e abaixo dos R$ 18,9 bilhões vistos no ano anterior. Em contrapartida, o ambiente mostrou-se favorável às emissões de debêntures, que cresceram 71% e totalizaram R$ 86,6 bilhões”.

Entre as consequências dessa inatividade e baixo retorno para os bancos, está o fato de que, não apenas em nível mundial, mas também no Brasil, o quadro de funcionários de bancos de investimento está sendo enxugado. Aparentemente, o Deutsche Bank demitiu todos os funcionários de sua área de investment banking no final do ano passado. Mundialmente, o Morgan Stanley anunciou agorinha mesmo a demissão de 1.600 colaboradores das áreas de investimento. Os reflexos desse contexto devem se repetir aqui no Brasil. O Wall Street Journal lembra que o problema não é apenas do banco alemão:

“A maioria dos bancos eliminou milhares de empregos nos últimos anos, agora que as dificuldades da economia americana e as dúvidas persistentes sobre a saúde financeira da Europa prejudicam os negócios. A atividade em importantes setores mobiliários, desde subscrição de ações até consultoria para fusões e comércio, está bem abaixo dos níveis anteriores à crise financeira. (…) As receitas de banco de investimento na Alemanha, o segundo maior mercado europeu depois do Reino Unido, caíram cerca de 20% até o fim do terceiro trimestre, para cerca de US$ 1,74 bilhão, segundo a firma de dados Dealogic. As receitas caíram para menos da metade de seus picos de 2007. No Reino Unido, as receitas de banco de investimento caíram 12%, para US$ 2,4 bilhões, nos três primeiros trimestres deste ano [2012].”

 2. Baixa dos juros no Brasil. Ontem mesmo, o Copom anunciou que vai manter a taxa básica de juros em módicos (para padrões brasileiros) 7,25% ao ano. Nunca foi uma taxa tão baixa assim. Quem estava acostumado a tirar 15% ao ano com títulos da dívida pública, só apertando botões agora precisa tirar leite de pedra e suar muito para ter uma rentabilidade bem menor do que isso. A saída, claro, é diversificação de investimentos, de maneira a buscar aplicações que tenham maior retorno e, portanto, maior risco. Quem trabalha em investimentos está botando o time em campo para descobrir alternativas rentáveis para compor as carteiras de investimentos, que não se contentam mais com aplicações seguras de renda fixa.

3. Conclusão preliminar. É possível que quem trabalhe em bancos de investimento esteja tentando aplicar os conceitos de finanças para analisar a própria carreira. Pouca perspectiva de crescimento e emprego nos grandes players (taxa de retorno baixa e não exatamente segura) pode levar muitos trabalhadores na área a aproveitar suas qualidades e redes de relacionamento para empreender. Em outras palavras, minha impressão é de que vai ocorrer, e já está ocorrendo, uma movimentação de pessoas que deixam as áreas de investment banking em grandes corporações e montam suas próprias empresas de administração de recursos (maior risco mas maior expectativa de retorno). Isso está em linha com a demanda do mercado de diversificação de investimentos. Novos gestores de carteira, atuando independentemente, têm muito mais incentivo a buscar empreendimentos que gerem grandes retornos, ainda que impliquem muitos riscos.

4. Evidências. Se alguém falou a palavra “startups” neste momento, acho que está fazendo coro comigo. Mais uma evidência desse movimento: o anúncio, feito ontem mesmo, de que a IdeiasNet quer atuar como gestora e está montando um fundo de investimento com recursos que podem variar entre US$ 100-150 milhões. A IdeiasNet é conhecida por ser uma empresa de branding, com investimentos nas áreas de moda e inovação. Até agora eles investiram recursos próprios, mas como estão com o faro treinado depois dos investimentos que fizeram, faz todo o sentido que essa experiência seja usada para continuar identificando oportunidades e ganhar dinheiro para novos investidores com esse modelo de atuação.

Se meus palpites estão certos ou não, o tempo vai dizer. Mas com certeza, e mais que nunca, é hora de os empreendedores ficarem atentos à gestão de seus negócios e na busca de novos relacionamentos comerciais que permitam expor ao mercado as atividades que estão desenvolvendo.